“Há MUITA GENTE QUE SE PREOCUPA COM A ALIMENTAçãO, MAS NãO COMPRA PãO DE MISTURA OU ARROZ INTEGRAL PARA ENTRAR FIBRA NO CORPO”

Perante uma população mundial em crescimento e a escassez de alimentos, Ricardo Boavida Ferreira responde com robisco - a denominada proteína perfeita, que tem vindo a trabalhar para gerar um novo ingrediente alimentar. “Podemos comê-la pura, às colheres. Ou a indústria alimentar pode pô-la em sopas”, diz no Futuro do Futuro. O cientista dá a conhecer alimentos que ajudam a tratar infeções, ao mesmo tempo que confirma que algumas modas da culinária se devem apenas ao preconceito

O preconceito remonta ao século XIX, mas continua bem presente na culinária atual, como confirma Ricardo Boavida Ferreira, investigador do Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa (ISA): “A Rainha Vitória está,obviamente, totalmente inocente, porque não havia este tipo de conhecimentos, mas foi nessa altura que apareceu a moda de tudo branqueado, que ainda permanece hoje erradamente”, refere o investigador ao podcast Futuro do Futuro.

Com a moda iniciada pela elite britânica, o mundo começou a investir em processos industriais, que permitiram produzir “as farinhas brancas, o arroz branco e as massas brancas”, mas que acabaram por retirar componentes importantes para a digestão. Mesmo sendo valorizado comercialmente, o resultado desse processo “é muito menos rico” do ponto de vista nutricional, lembra o investigador.

Ricardo Boavida Ferreira está convicto de que sem pesticidas haverá fome na humanidade, mas não perde de vista a proteína perfeita. E é aí que entra em cena a robisco, que está presente em quase todos os vegetais, mas nem sempre se revelou de fácil extração – até que investigadores do ISA e da startup Nprotein trouxeram algo potencialmente transformador.

“Houve até um projeto grande para purificar a robisco das folhas da beterraba sacarina, que é um super produto, só que na altura ninguém conseguiu o método e não está a ser explorado a nível comercial. Nós conseguimos. Ao fim de 10 anos de trabalho, conseguimos o método”, descreve o investigador e professor do ISA, ao podcast Futuro do Futuro.

Caso tenha sucesso, o método desenvolvido entre ISA e Nprotein torna possível a extração de proteínas a partir de vegetais que, historicamente, são considerados não comestíveis ou mesmo intragáveis. Boavida Ferreira recorda que o novo método permite extrair a proteína robisco “até de plantas infestantes, por exemplo, os jacintos de água, plantas invasoras, que não se comem, e teoricamente até plantas tóxicas”.

“Se nós purificarmos a proteína, e temos um método para fazer isso, podemos até ver se lá ficou alguma toxina”, responde o investigador do ISA.

Os testes com a robisco ainda não terminaram, mas Ricardo Boavida Ferreira já imagina um cenário em que os consumidores poderão optar, por exemplo, por um pão que tem 10% de robisco e que deixa o consumidor “satisfeito” quando se trata de saciar a fome. “É um pão com proteína”, recorda o investigador.

O mesmo método usado para a extração da robisco revelou-se igualmente útil para partir proteínas difíceis de digerir. Nos testes já realizados, o método já revelou potencial para quebrar duas das principais proteínas que geram alergia em parte dos consumidores.

“Nós descobrimos um método que já aplicámos na robisco, já aplicámos nas proteínas reservas das leguminosas, já aplicámos na proteína do soro. É um método 100% inócuo”, garante o professor do ISA.

Apesar de acreditar que tem em mãos um método que pode ajudar a suprir a escassez de proteínas face ao crescendo da população mundial, o cientista não tem dúvidas de que a produtividade da agricultura vai ressentir-se se se acabar com o uso de pesticidas: “É impossível porque haveria fome, se calhar, para alguns milhões de pessoas. O que podemos fazer - e esse tem sido também algum do meu esforço, assim como é de milhares de colegas no mundo inteiro – é tentar desenvolver fungicidas ou pesticidas que sejam o menos tóxicos possível para os humanos e para o ambiente. E isso é possível.”

Foi precisamente para ilustrar um dos projetos em que participou que Boavida Ferreira respondeu a um dos desafios do Futuro do Futuro com uma imagem da estrutura molecular do fungicida Blad que já está em comercialização em diferentes países. No desafio do som, o professor do ISA trouxe o tema “Anyway” dos Genesis.

Ao longo de 40 anos de carreira e mais de 160 artigos científicos publicados, Ricardo Boavida Ferreira criou um fungicida que tanto pode ser aplicado na agricultura como pode funcionar como suplemento alimentar, e desenvolveu técnicas de uso da deflamina que pode ajudar a tratar inflamações ou complementar terapias para o cancro.

No que toca à deflamina, o cientista recorda que algumas pessoas que sofriam de doenças inflamatórias do intestino “melhoraram a condição”, depois de terem comido bolachas com deflamina. O investigador recorda que estes casos bem sucedidos não têm ainda valor estatístico, e que o desenvolvimento da deflamina ainda está em curso.

Ricardo Boavida Ferreira admite que o recurso aos insetos “é mais que provável” na culinária do futuro, mas admite que sente alguma renitência pessoal em abraçar esta tendência.

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